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Química Tecnológica

Curso de Graduação em Química Tecnológica

CEFET-MG

Afinal, como se formaram os Elementos Químicos?

Segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021
Última modificação: Segunda-feira, 15 de abril de 2024

Prof. Márcio Basílio
Departamento de Química
CEFET-MG

A maioria absoluta dos químicos sabe de imediato responder o que fazer com os elementos químicos. Conhecem de cor os seus símbolos, sabem de cabeça o seu número atômico, sua massa, algumas densidades. São hábeis em misturar seus compostos sob diferentes condições para criar moléculas e dar uma utilidade nobre ao composto formado. Afinal, os átomos são a matéria prima da Química. Mas, de onde essas unidades fundamentais vieram? Como os elementos químicos se formaram? Essa é uma pergunta não muito comum, ou mesmo necessária, nas rodas de conversa dos químicos em geral. Afinal, quando colonizamos esse mundo, todos os elementos químicos naturais já estavam aqui e, com certeza, ainda estarão por aqui por muito tempo após a nossa partida.

Para começar a responder à pergunta que dá título a esse texto, é importante, primeiramente, quantificar esses elementos. Sabemos que na Terra encontramos, em maior ou menor quantidade, 90 elementos químicos representados na Tabela Periódica, do hidrogênio ao urânio, pulando o Tecnécio e o Promécio que não existem naturalmente por aqui, mas que já foram detectados em estrelas. Os outros elementos, chamados de transurânicos, são obtidos artificialmente nos aceleradores de partícula. Apesar desses 90 elementos formarem todo o arcabouço do nosso planeta e mesmo dos nosso organismo, eles não foram criados na Terra.

Composição Média do Universo segundo o Modelo Cosmológico Padrão

Composição Média do Universo segundo o Modelo Cosmológico Padrão

Seria interessante, então, saber como esses elementos estão distribuídos fora do nosso planeta. O Modelo Cosmológico Padrão nos diz que o Universo é formado por 68,3% de energia escura (energia que ainda não se transformou em matéria – E=mc– mas que é muito pouco conhecida), 26,8% da sua estrutura é composta por matéria escura fria (matéria identificável pela sua gravidade, mas que não é visível, uma vez que não emite luz) e 4,9% de matéria bariônica, que é a matéria composta por prótons, nêutrons e elétrons, ou seja, os átomos dos nossos elementos químicos.

Por sua vez, esses 4,9% de matéria bariônica estão assim distribuídos: hidrogênio e hélio gasoso oriundos da formação primordial do Universo, 4%; hidrogênio se transformando em hélio nos núcleos das estrelas, 0,5%; neutrinos, 0,3%; os demais 88 elementos naturais mais pesados que o hélio representam apenas 0,1% da composição do Universo. É pouco, muito pouco, mas, considerando que esses elementos se concentram em nuvens que, ao cabo, irão dar origem aos planetas, incluído aí a Terra, esse 0,1% é de importância fundamental!

Todo esse processo de formação teve início em um momento único e singular, chamado Big Bang. A proposta do modelo do Big Bang é de um padre, matemático, filósofo e astrônomo belga chamado Georges Lemaître. Esse modelo propõe que, num determinado momento zero, toda a massa que compõe o nosso Universo estava concentrada em um único ponto de volume desprezível e de densidade máxima. As quatro forças que regem as interações do Universo – eletromagnetismo, gravidade e as forças nuclear forte e fraca, responsáveis pela estabilidade do núcleo dos átomos – estavam unidas. Nesse momento inicial, a temperatura atingiu a colossal marca de 1032 K.

4 forças

Fonte: naturphilosophie.co.uk

O que aconteceu entre o momento zero e 10-43 segundo após o Big Bang, ninguém sabe ao certo, pois, nesse intervalo, as teorias da Mecânica Quântica e da Relatividade Geral não se entendem (e é o estabelecimento da relação entre essas teorias, nesse momento singular, que Teoria de Tudo, ou Teoria da Grande Unificação – TGU, busca unificar matematicamente). Esse primeiro momento recebe o nome de Era Plank e o Universo tinha o tamanho do Comprimento de Planck (1,6 x10-35 m).

Ao contrário do que a maioria das pessoas acredita, o Big Bang não foi uma grande explosão. Em uma explosão, matéria é atirada para fora de algum lugar. Ao contrário, em uma expansão não existe a ideia de “para fora”, uma vez que nem o espaço, nem o tempo existiam fora do Universo. Portanto, nos momentos seguintes ao Big Bang, todo o Universo se expande, inclusive o espaço (e o tempo) entre os seus constituintes. Pense em um bolo de passas assando e crescendo. Se o Universo é o bolo, não existe bolo fora do bolo e toda a massa se expande, diminuindo sua densidade e afastando todas as passas umas das outras.

Como o bolo, à medida que o Universo se expandiu, sua densidade diminuiu e, com ela, a temperatura. Passados 13,7 bilhões de anos desde o momento inicial, a temperatura média do Universo caiu dos 1032 K para 3 K e a densidade despencou de máxima, para cerca de 2×10-29 kg.m-3.

Passados 10-36 segundo do Big Bang, tem início o período conhecido como Inflação do Universo. Nesse momento, o Universo era composto por uma sopa extremamente quente e densa formada apenas por partículas elementares, entre elas, quarks e glúons, que constituem os prótons e nêutrons. Essa sopa, chamada de “Plasma de Quarks e Glúons” apresentava, portanto, as partículas subatômicas necessárias à criação dos átomos.

Aos 10-11 segundo após o Big Bang, tem início a individualização das forças nuclear fraca e eletromagnética e, com isso, ocorre a agregação das partículas subatômicas. A temperatura chega a 1015 K. Obedecendo à equação de Einstein: E=mc², matéria e antimatéria são criadas e aniquiladas em ritmo frenético. Aos 10-9 segundo, os quarks em excesso se unem formando os primeiros prótons e nêutrons estáveis.

Fases da Expansão do Universo Fonte: http://www.astro.iag.usp.br/:

Fases da Expansão do Universo
Fonte: http://www.astro.iag.usp.br/:

Passado o 1º segundo após o Big Bang, quando o Universo registrava temperatura de 10 milhões de graus centígrados, tem início a nucleossíntese. Os prótons e nêutrons ligaram-se formando os núcleos de deutério (1 próton e 1 nêutron), trítio (1 próton e 2 nêutrons), hélio (2 prótons e 2 nêutrons) e um pouco de lítio e hélio 3. Esta nucleossíntese inicial terminou quando haviam decorridos alguns minutos do Big Bang. É dessa época o resultado da atual proporção desses elementos no Universo: 75% de hidrogênio 25% de hélio.

Quando o Big Bang completou seu aniversário de 10.000 anos, a temperatura do Universo tinha caído o suficiente para que a matéria prevalecesse sobre a energia e, como consequência, a gravidade tornou-se a força dominante. A matéria produzida (núcleos de H e He) se concentrou em aglomerados que, milhões de anos depois, iram dar origem às galáxias.

Durante os 100.000 a 300.000 anos seguintes, os fótons possuíam energia suficiente para impedir que os elétrons se estabilizassem em torno dos núcleos. Somente após o Universo atingir a temperatura de 3.000º C é que a potência dos fótons diminuiu, permitindo a estabilização dos elétrons. Nesse momento apareceram os primeiros átomos estáveis de hidrogênio e hélio.

Reações de Fusão nuclear: Ciclo do Próton e Ciclo CNO

Reações de Fusão nuclear: Ciclo do Próton e Ciclo CNO https://www.saberatualizado.com.br/2015/11/como-sao-formados-os-elementos-quimicos.html

Entre 300.000 e 1 bilhão de anos, apesar da baixíssima densidade média do Universo, os átomos de H e He se aglomeram formando pontos mais densos, as chamadas nuvens primordiais. Foi entre 1 Bilhão de anos e a atualidade que as estruturas cósmicas, como as galáxias e os enxames de galáxias, adquiriram a sua forma atual, originadas a partir da evolução dessas nuvens primordiais. A microfísica dessa fase é muito bem conhecida.

A densidade das nuvens primordiais, cerca de 1012 partículas por m3, é alta o suficiente para permitir que os átomos de hidrogênio se aglutinem em moléculas estáveis de H2. Apesar da alta densidade, a temperatura é baixa, cerca de 10 K. A essa temperatura, a gravidade passa a ser predominante, possibilitando o colapso das nuvens primordiais sob um ponto central. É nesse momento que tem início as reações de fusão nuclear que irão acender as estrelas, as fornalhas que forjarão todos os elementos químicos naturais presentes na nossa tabela periódica.

No Universo, existem estrelas de todos os tamanhos e a sua classificação é feita tendo como referência a massa do Sol, que é de 2 × 1030 kg. São chamadas de estrelas de massa baixa as estrelas que pesam menos do que 8 vezes a massa do Sol. Já as estrelas maiores que 8 vezes a massa do Sol são chamadas de estrelas massivas. Esses dois tipos de estrelas têm ciclos evolutivos distintos.

As estelas de massa baixa, ao terminar seu combustível nuclear, o H, inicialmente se expandem para depois encolherem e apagarem, mantendo sua massa em um núcleo denso e frio e rico em carbono chamado anã branca. Por sua vez, as estrelas massivas, ao fim de seu combustível nuclear, iniciam um movimento de expansão seguido de um colapso onde toda a sua massa gigantesca precipita sobre o seu núcleo, causando uma gigantesca explosão. Esse momento catastrófico é chamado de supernova.

As estrelas de massa muito baixa produzem praticamente só He a partir da fusão do H pelo mecanismo chamado “Ciclo do Próton”:

p + p —> 2H + e+ + νe

p + 2H —>  3He + γ

3He + 3He —> 4He + p + p

No Ciclo do Próton, as duas primeiras reações ocorrem duas vezes.  Seis prótons entram e o produto é um núcleo de hélio, dois prótons, um pósitron, um neutrino e energia.

Além do ciclo próton-próton, as estrelas também podem produzir energia pelo ciclo CNO. Nesse ciclo, átomos de carbono, nitrogênio e oxigênio, que já estavam presentes no núcleo estelar, atuam como os catalisadores em reações químicas: sua composição não se altera ao longo da cadeia de reações. No ciclo CNO, há consumo prótons e produção de átomos de hélio. Os demais elementos permanecem inalterados

               CNO

Na maioria das estrelas de baixa massa, o processo de nucleossíntese prossegue somente até a formação do núcleo de carbono, em um processo chamado Processo-alfa.

 3  4He —>  12C + e+ + e + γ

Camadas-nucleossintese-estrela-massiva

Estrutura Concêntrica nas Estrelas Massivas Crédito: Tom Harrison of New Mexico State University, via http://astronomy.nmsu.edu/tharriso/ast110/class19.html

Nas estrelas massivas, esse processo segue por fusão nuclear até a formação do núcleo do ferro. Dando sequência ao processo alfa, o hélio combina com carbono para produzir elementos mais pesados, mas apenas aqueles com um número par de prótons. As combinações acontecem nessa ordem:

  • O carbono funde com o hélio produzindo o oxigênio.
  • O oxigênio funde com o hélio produzindo o neônio.
  • O neônio funde com o hélio produzindo o magnésio.
  • O magnésio funde com o hélio produzindo o silício.
  • O silício funde com o hélio produzindo o enxofre.
  • O enxofre funde com o hélio produzindo o argônio.
  • O argônio funde com o hélio produzindo o cálcio.
  • O cálcio funde com o hélio produzindo o titânio.
  • O titânio funde com o hélio produzindo o cromo.
  • O cromo funde com o hélio produzindo o ferro.

Cada elemento forma uma camada concêntrica ao redor do núcleo da estrela, se ordenando de modo decrescente em relação à densidade, do centro para fora. Quando as estrelas pouco massivas iniciam a formação do ferro, a energia gravitacional supera a energia de expansão gerada pelas fusões nucleares. Inicialmente, há uma expansão (gigante vermelha), ejetando sua “casca” para o espaço, numa fase chamada “nuvem planetária”. Em seguida, seu núcleo se contrai. É nesse momento que a estrela se apaga na forma de um anã branca.

Já nas estrelas massivas, a gravidade comprime os elementos formados nas respectivas camadas de tal forma que o núcleo estelar cai sob ele mesmo, transformando-se em uma estrela de nêutrons, que em seguida explode como uma supernova. Durante essa explosão, como na fase da nuvem planetária das estrelas menos massivas, há a ejeção do todos os elementos formados até então para o espaço circundante. Mas, mais do que isso. Durante o processo de formação da supernova, todos os demais elementos mais pesados que o ferro, são formados.

No dia 23 de fevereiro de 1987, observatórios no Chile e na Nova Zelândia fotografaram o momento exato em que a luz da supernova, hoje conhecida como 1987ª, chegou à Terra vinda da Grande Nuvem de Magalhães, após viajar 168 mil anos luz pelo espaço. Crédito: Anglo-Australian Observatory / David Malin

No dia 23 de fevereiro de 1987, observatórios no Chile e na Nova Zelândia fotografaram o momento exato em que a luz da supernova, hoje conhecida como 1987ª, chegou à Terra vinda da Grande Nuvem de Magalhães, após viajar 168 mil anos luz pelo espaço.
Crédito: Anglo-Australian Observatory / David Malin

E qual o motivo do ferro ser a linha de borda para o sustento de uma estrela? A resposta está na diferença da energia das ligações internucleares. O gráfico abaixo mostra que energia gerada na fusão nuclear para formar os núcleos é crescente até o ferro. Essa energia compete com a energia da gravidade e mantém o equilíbrio estável na estrela. O processo de formação dos núcleos dos elementos maiores que o ferro gera menos energia proporcionalmente à massa do elemento. A liberação de energias menores, portanto, quebra o equilíbrio, permitindo que a gravidade seja a força predominante na estrela, gerando seu colapso.

Essa diferença de energia internuclear também é responsável pela mudança no processo de formação dos elementos maiores que o Fe. Enquanto os elementos menores do que o ferro são produzidos somente por fusão nuclear, os elementos mais pesados são formados por um processo que envolve captura de nêutrons e posterior decaimento radioativo. Esse processo é denominado Processo S (S de slow):

56Fe +n —> 57Fe

57Fe +n —> 58Fr

   58Fe + n —> 59Fe —> 59Co

                                                                                                                                                                     59Co + n —> 60Co —> 60Ni

bindig energy

Energia de Ligação Nuclear dos Elementos Fonte: http://chemed.chem.purdue.edu/genchem/topicreview/bp/ch23/modes.php

O Processo S funciona até a formação do núcleo do elemento 209Bi. Os elementos mais massivos que o Bi só são produzidos em ambientes onde o fluxo de nêutrons é altíssimo (da ordem de 1022 nêutrons por cm² por segundo). Esse processo é chamado de Processo R (R de rapid). Nas estrelas, o Processo R ocorre apenas nos segundos que ladeiam a explosão da supernova. Durante a explosão, há um intenso processo de colisão de elétrons e prótons resultando na formação das gigantescas quantidades de nêutrons necessários no Processo R.

Uma vez ejetados para o espaço circundante, essas nuvens formadas após as explosões de supernovas possuem todos os elementos que conhecemos hoje no nosso planeta. Esses elementos estão agora disponíveis para serem usados na formação de novas gerações de estrelas e, consequentemente, os novos planetas que as orbitarão. Essa é a matéria prima que originou o nosso sistema solar há cerca de 4,5 bilhões de anos e esse será, também, o processo que levará ao final do nosso Sol e, com ele o nosso planeta, previsto para ocorrer daqui a 5 ou 6 bilhões de anos. Quem viver, verá…



Para ira além:

Divulgação Científica:

  • A Origem dos Elementos Químicos- Prof. Dr. Roberto Costa – USP – Vídeo [Link]
  • Anãs brancas de massa bem específica são grandes fontes de carbono no Universo [Link]
  • A origem dos elementos químicos da tabela periódica – Cláudio Landim – Blog Ciência e Matemática [Link]
  • Como são formados os elementos químicos? Saber atualizado [Link]
  • O Que existia antes do Big Bang? – Revista Super Interessante [link]
  • A teoria das cordas e as forças da natureza – Victor O. Rivelles – IF-USP [Link]
  • The Dawn of a New Era for Supernova 1987ª – NASA [Link]
  • What is Your Cosmic Connectionto the Elements? NASA (2003) [Link]
  • Primordial Black Holes May Have Helped to Forge Heavy Elements – UC [Link]

Artigos:

  • Teruya, N.; DuarteII, S. B.; Núcleos exóticos e síntese dos elementos químicos 2012, Quím. Nova vol.35 no.2 São Paulo 2012 [link]
  • Meyer, B. S.; The r-, s- and pProcesses in Nucleosyntesis 1994, Annu. Rev. Astron. Astrophys. 32: 153-90 [Link]
  • Goriely S.; Pinedo, M.; The production of transuranium elements by the r-process nucleosynthesis 2015, Nuclear Physics A, Vol. 944, 158-176 [Link]

Livros:

  • Fundamentos de Evolução Química da Galáxia– Walter J. Maciel (2020) [Link para download do livro]
  • Paisagens Cósmicas: da Terra ao Big Bang – Elysandra F. Cypriano e Augusto Damineli (orgs) (2018) [Link para download do livro de alta definição – 40 Mb] [Link para download do livro baixa definição – 1.5 Mb]
  • Astrobiologia: uma ciência emergente – Douglas Galante, Evandro P. da Silva, Fábio Rodrigues, Jorge E. Horvath, Márcio G.B. de Avellar (orgs.) (2016) [Link para download do livro]
  • O céu que nos envolve – Enos Picazzio (org.) (2011) [Link para download do livro]
  • Fascínio do Universo – Augusto Damineli e João Steiner (orgs.) (2010) [Link para download do livro]